Uma história dedicada a alguém que neste momento precisa mais dela do que eu...
Orfeu era filho da musa Calíope e do deus-rio Eagro. Cresceu entre as musas, aprendeu a música e a poesia dos deuses. O seu canto era tão suave que as feras o seguiam, mansas e preguiçosas e as árvores inclinavam-se para ouvi-lo melhor e as rochas perdiam algo da sua dureza, amaciadas pelas notas da sua lira.
Menino ainda, conheceu a Ninfa Eurídice, filha de Apolo. De mãos dadas, corriam pelos campos e as flores desabrochavam à sua passagem. Cresceram sonhando com o dia do casamento, quando as musas e as Ninfas se reuniriam num coro para os cânticos nupciais. Himeneu foi convocado para abençoar com sua presença o casamento, ao qual compareceu, mas não levou consigo augúrios favoráveis.
Coincidindo com tais prognósticos, Eurídice, pouco depois do casamento, quando passeava com as ninfas, foi vista pelo pastor Aristeu, despertando o desejo dorido de amá-la. E um dia ele não aguentou mais e aproximou-se dela devagar.
Eurídice fugiu, perseguida por Aristeu. Correu e não viu a serpente enorme enroscada entre as plantas. A picada foi quase indolor e não entendeu quando a morte que corria nas suas veias enfraqueceu as suas pernas e a obrigou a cair no tapete florido.
O pobre Orpheu abandonou-se à dor. O pranto de sua lira encheu os campos e subiu ao Olimpo, mas ele, cego de desespero, desceu ao Hades à procura da sua amada. Ao som da sua lira, Caronte atravessou Aqueronte sem cobrar a viagem, Cérbero parou de rugir e, à sua passagem, Tântalo esqueceu-se da fome e da sede, as Danaides pararam de encher o tonel furado e os sofredores distraíram-se das suas penas.
Quando chegou ao palácio das profundezas, Hades e Perséfone já o esperavam.
- Muito bem - disse Hades, depois de ouvir as súplicas de Orpheu. - Permito que a tua noiva te acompanhe, mas imponho uma condição: vais na frente e ela seguir-te-á e, por motivo nenhum, poderás olhar para trás ou a perderás para sempre.
Orpheu deixou o salão denso de brumas cheio de esperanças e procurou a estrada que levava às portas do Hades. Mal deu os primeiros passos, sentiu que estava a ser seguido. Passos leves e tímidos seguiam-no, mas nada conseguia ver com os cantos dos olhos. Não se voltou. A felicidade que sentia era imensa. Eurídice estava logo atrás e sairia com ele. As lembranças ferviam na sua cabeça e ele apegava-se-lhes para resistir à tentação de olhar para trás. E junto com ela, apareceu também Aristeu, apaixonado, tentando tocá-la, tentando possuí-la.
- E se a serpente não a tivesse picado? - pensou ele subitamente. - Teria ela resistido aos encantos de Aristeu? Quem sabe, no íntimo, ela também não desejava o amor daquele criador de abelhas? - procurou lembrar-se do olhar de Eurídice e viu-o cheio de paixão. - Por ele ou por Aristeu?
O ciúme instalou-se-lhe na sua alma.
- Preciso saber - disse baixinho - preciso ter certeza do porquê do brilho de paixão que vi nos olhos dela na última vez em que me contemplou. Se eu pudesse ver os seus olhos novamente...
Foi saudade, a dúvida ou o ciúme que fez Orpheu olhar para trás? Nem mesmo ele soube dizer. Quando deu por si, estava extático, vendo a imagem de Eurídice diluir-se no ar. E a última coisa que se apagou foi o brilho da paixão que acendia seus olhos...
In the Heart
In the Wings
In the Hand
In the Neck
In the Laugh
In the Tongue
Garden of Eden