Para Onde o Vento Me Levar... Vou VOANDO...

Sábado, 24 de Novembro de 2007
Uma Gota de Chuva na Cara

   "Se não fosse gago era-me fácil conversar com ela. Mora três quarteirões adiante do meu, apanhamos o mesmo autocarro todos os dias, eu na quarta paragem e ela na quinta, olhamos imenso um para o outro durante os vinte minutos

   (meia hora quando há trânsito)

   do percurso entre o nosso bairro e o ministério, ela trabalha dois andares acima de mim, subimos no mesmo elevador sempre a olharmo-nos, às vezes até parece que me sorri

   (tenho quase a certeza que me sorri)

   vemo-nos de longe no refeitório cada qual com o seu tabuleiro, ia jurar que me fez sinal para me sentar na mesa dela, não me sento por não ter a certeza que me fez sinal

   (acho que tenho a certeza que me fez sinal)

   voltamos a olhar-nos no elevador, ela volta a sorrir quando saio, volta a olhar para mim no autocarro de regresso a casa e não sou capaz de falar com ela por causa da gaguez. Ou melhor não é só a gaguez: é que como as palavras não me saem, como quero exprimir-me e não consigo, fico roxo com os olhos de fora

   (pus-me diante do espelho e é verdade)

   de boca aberta, cheia de dentes, a tropeçar numa consoante interminável, a encher o ar à minha volta de um temporal de perdigotos aflitos, e não quero que ela repare como me torno ridículo, como me torno feio, como me torno, fisicamente, numa carranca de chafariz, a cuspir água aos soluços num mugido confuso. Com os meus colegas do emprego é simples: faço que sim ou que não com a cabeça, resumo as respostas a um gesto vago, transformo um discurso num erguer de sobrancelhas, reduzo as minhas opiniões sobre a vida a um encolher de ombros

   (mesmo que nao fosse gago continuaria a reduzir as minhas opiniões sobre a vida a um encolher de ombros)

   ao passo que com ela seria obrigado a dizer coisas por extenso, a conversar a segredar-lhe ao ouvido

   (se eu me atrevesse a segredar-lhe ao ouvido aposto que tirava logo o lenço da carteira para enxugar as bochechas e fugia assustada)

   a segredar-lhe ao pescoço, a enredá-la numa teia de frases

   (as mulheres, julgo eu, adoram ser enredadas numa teia de frases)

   enquanto lhe pegava na mão, descia as pálpebras, esticava os lábios na expressão infinitamente estúpida dos namorados prestes ao beijo, e agora ponham-se no lugar dela e imaginem um gago desorbitado a aproximar-se de vocês escarlate de esforço, a abrir e fechar a boca prisioneiro de uma única silaba, a empurrar com o corpo todo um

  - Amo-te

   que não sai, que não consegue sair, que não sairá nunca, um

  - Amo-te

   que me fica preso na língua num rolhão de saliva, eu a subir e a descer os braços, a desapertar a gravata, a desabotoar o botão do colarinho, o

   - Amo-te

   nada, ou, pior que nada, substituído por um berro de gruta, ela a afastar-se com os braços estendidos, a levantar-se, a desaparecer porta fora espavorida, e eu sozinho na pastelaria debruçando-me ainda ofegante para o chá de limão e o pastel de nata da minha derrota definitiva. Não posso cair na asneira de conversar com ela, é óbvio que me tenho que conformar com os olhares no autocarro, com o sorriso no elevador, com o convite mudo no refeitório até ao dia em que ela aparecer de mão dada com um sujeito qualquer, se calhar mais velho do que eu mas capaz de lhe cochichar na orelha sem esforço

   (há pessoas que cochicham sem esforço)

   o que eu adorava explicar-lhe e não consigo até ao dia em que deixar de me olhar, de sorrir, de convidar-me a sentar a sua frente durante o almoço

   (sopa, um prato à escolha entre dois, doce ou fruta, uma carcaça e uma garrafa pequena de vinho, tudo por quatrocentos e quarenta escudos não é caro)

   e eu a vê-la na outra ponta do autocarro a poisar a testa no ombro de um sujeito qualquer, sem reparar em mim, sem reparar sequer em mim como se eu nunca tivesse existido e compreender que por ter deixado de existir não existi nunca, e nessa noite ao olhar-me no espelho não verei ninguem ou verei quando muito um par de olhos

   (os meus)

   que me censuram, um par de olhos com aquilo que ia jurar ser uma lágrima a tremer nas pestanas e a descer devagarinho pela bochecha fora, ou talvez não seja uma lágrima e apenas

   (porque será inverno)

   uma gota de chuva, sabem como é, a correr na vidraça."

in Algumas Cronicas by Antonio Lobo Antunes


espelho-me: com o vento a segredar

Sangrado por Vlada às 16:05
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Segunda-feira, 29 de Outubro de 2007
frase de segunda-feira

Life is Hard...

... and then you DIE!


espelho-me: I hate mondays

Sangrado por Vlada às 08:31
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Quarta-feira, 24 de Outubro de 2007
Narcissus

Porque às vezes se é cego ao que está ao alcance dos dedos fechados, ao que se deseja, ao que está mesmo sob os olhos que teimam em abrir...

Porque por vezes é menos penoso ver o que se quer e não o que realmente é.

Disseram-me que o olhar não mentia... sabias disso?

"... the legend of Narcissus, a youth who daily knelt beside a lake to contemplate his own beauty.
He was so fascinated by himself that, one morning, he fell into the lake and drowned. At the spot where he fell, a flower was born, which was called the narcissus.
But this was not how the author of the book ended the story.
He said that when Narcissus died, the Goddesses of the Forest appeared and found the lake, which had been fresh water, transformed into a lake of salty tears.
"Why do you weep?" the Goddesses asked.
"I weep for Narcissus," the lake replied.
"Ah, it is no surprise that you weep for Narcissus," they said, "for though we always pursued him in the forest, you alone could contemplate his beauty close at hand."
"But..... was Narcissus beautiful?" the lake asked.
"Who better than you to know that?" the Goddesses said in wonder, "After all, it was by your banks that he knelt each day to contemplate himself!!"
The lake was silent for some time.
Finally it said: "I weep for Narcissus, but I never noticed that Narcissus was beautiful. I weep because, each time he knelt beside my banks, I could see, in the depths of his eyes, my own beauty reflected."


From "The Alchemist" by Paulo Coelho

The best part of the book...


espelho-me: pelos meus olhos
pautas: Mad World by Michael Andrews

Sangrado por Vlada às 21:21
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Sexta-feira, 13 de Julho de 2007
Atrás do Sol Posto

Quando a solidão se sente ainda mais só neste escritório, lembro-me do tempo em que trabalhei atrás do sol posto, onde o frio era viscoso e escorria pelas paredes, onde a descoberta duma nova inundação, que lixava as tomadas, já não nos surpreendia, onde a pontualidade era uma utopia e a falta de material superada pela imaginação.

Mas lá, atrás do sol posto, tive como colega e hoje amiga a Crispy.

Fazes-me falta...

A nossa sintonia a trabalhar, as nossas brainstorms, as tardes que passávamos a gargalhar como se não houvesse amanhã. Lembro-me das castanhas assadas no microondas, dos croissants e das cerejas, do despique às garrafas de água, das horas passadas na pseudo-horta, das longas esperas, da altura em que "enrolávamos erva" no pátio do "escritório" ao sol e a ouvir música em altos berros, da escadaria da peninha, do esforço e do cansaço.

E de todo o apoio que me deste.

E foi quando a solidão se sentiu ainda mais só neste escritório que eu parti em busca dessas rajadas de energia que adquiríamos ao beber cappuccino e que encontrei isto:

Espero que tenhas realizado o teu sonho e atingido mais um objectivo este ano.

Para ti Mestre Crispy!

And I don't know I ever thought that I could make it all alone
When you only make it better
And it better be tonight
And we'll fly away on those angel wings of chrome in your daddy's car
Waiting there for you tonight
I'll be there for you tonight


Even if you don't have anywhere to go
You go down on the pedal and you're ready to roll
And even if you don't have anywhere to go
You go down on the pedal and you're ready to roll
And your speed
Is all you'll ever need
All you'll ever need to know
Darlin', Darlin'-

You and me we're goin' nowhere slowly
And we've gotta get away from the past
There's nothin' wrong with goin' nowhere, baby
But we should be goin' nowhere fast

Everybody's goin' nowhere slowly
They're only fighting for the chance to be last
There's nothin' wrong with goin' nowhere, baby
But we should be goin' nowhere fast
It's so much better goin' nowhere fast

 


espelho-me: nostalgic I guess!
pautas: Nowhere Fast by Fire Inc.

Sangrado por Vlada às 11:21
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Quinta-feira, 12 de Julho de 2007
Time to say goodbye

Summer is here... in a sort of tropical weather... too much heat during the day... a windy storm with lightnings and thunders during the night...

 

The BucaGroup is becoming shorter.

Pat is leaving today to spend the holidays in our homeland - Portugal, she will be missed, but in September she will come back, with sweets and Codfish (I hope!!).

And Pratas is definitly leaving, is Erasmus year has come to an end... He is burning the last piece of wood this days, check it! And then one last wild crazy night in Bucharest.

Last night, while the rain falled outside and the windy almost pull out the trees in the street, we had a last supper together, we laughed, we spoke about almost everything, we made jokes and we forgott to take one last picture of such days!

You both shall be missed...



pautas: Moving by Secret Garden
espelho-me: a little bit sad

Sangrado por Vlada às 13:18
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Sobre Vlada
To put meaning in one's life may end in madness,
But life without meaning is the torture Of restlessness and vague desire - It is a boat longing for the sea and yet afraid. By Edgar Lee Masters
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Não faças um rascunho da vida,
podes não ter tempo de a passar a limpo...
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